Wendy era uma bela garota londrina, loira, cabelos compridos até à altura das omoplatas, e tinha um corpo desenvolvido demais para sua idade. Nos últimos três meses vinha tendo sonhos recorrentes e muito estranhos, com um garoto, aparentando ter uns quinze anos, de cabelos castanhos claros e olhos azuis-acinzentados, de olhar misterioso e sedutor, que dizia se chamar Peter Pan. Naquela noite estava imersa em outro pesadelo, onde corria numa mata escura de mãos dadas com Peter, e eles fugiam de um bando de homens que estavam armados e atirando na direção deles. Correram até se encontrarem à beira de um precipício. Peter olhou para ela, com um olhar maroto, e pediu que ela confiasse nele, e pulou, levando-a consigo. Wendy acorda suada e olhou ao redor, seu quarto estava escuro tinha apenas a parca luminosidade da lua crescente. Ela suspirou e passou as costas da mão na testa para secar um pouco do suor quando se espantou ao ouvir uma voz masculina e familiar vindo da direção da poltrona:
– Me desculpe por te fazer passar por esses pesadelos.
– Quem é você? – ela acendeu o abajur do seu criado-mudo, enfim vislumbrando a figura de Peter esparramada na poltrona.
– Então você é real? Ou isso ainda é um sonho?
Ele se levanta e caminha até à cama, se agacha e segura o pulso dela.
– Um sonho faria isso?
Ela rapidamente se livra da mão dele e diz:
– O que você quer?
– Preciso que você me acompanhe até à Terra do Nunca. Só uma garota deste mundo pode ajudar a mim e aos meus amigos a salvar aquele lugar.
– Você quer que eu saia no meio da madrugada da minha cama quentinha pra acompanhar um garoto estranho em um lugar “encantando” e se meter em alguma grande “aventura”? Nem sonhando!
– Wendy, sério! Você precisa confiar em mim.
– Assim como agora há pouco no sonho, quando você pulou comigo no precipício?
– Ai, caramba! Você já se esqueceu do pó mágico que me permite voar?
Wendy fez cara de quem deve ter dormido e perdido algum episódio.
– Vamos! – Peter pegou pela mão, foi à direção da janela, que estava aberta, e saltou, levando a garota aos ares.
– Aaaaaaah! – ela gritou.
– Shh, Wendy! Quer que sua família ache que você está sendo sequestrada e chamem a polícia?
– Mas não é exatamente isso que você está fazendo??
Eles voaram por muito tempo, mesmo sob os protestos de Wendy. Quando ela deu por si já estava sobrevoando uma selva tropical, diferente de qualquer coisa que poderia ver na Inglaterra, sem contar a areia e o mar, que emolduravam o horizonte. Pousaram numa clareira, iluminada apenas pela luz da lua cheia. Ela podia ver a luz de alguns archotes que estavam no interior de uma trilha, ali perto, e ficou menos tensa ao perceber que não estava num lugar aleatório no meio de uma selva desconhecida.
– Onde estamos? – Wendy indagou.
– Em minha casa. – ele respondeu, e na sequência deu um assobio bem alto, usando os dedos entre os lábios.
Alguns garotos, de várias idades, etnias e alturas, emergiram das matas trevosas, e Wendy tomou um susto, levando a mão ao coração.
– Quem são eles?
– Meus amigos, os Garotos Perdidos.
Um deles, loiro e gorducho, arreganhou a boca e mostrou seus caninos salientes, e seus olhos cintilaram na cor vermelha, e chegou bem perto de Wendy, que gritou e se escondeu atrás de Peter.
– Epa! Vai com calma, Bicudo! Ela não é sua comida! – falou Peter, afastando-o com a mão.
– Peter, ele é um… – e antes que ela pudesse completar a pergunta, viu todos os outros garotos com os olhos brilhando, alguns com os grandes caninos para fora.
– Wendy, todos nós somos vampiros. – respondeu Peter, sorrindo e com os olhos também transformados, e com os dentes salientes.
Wendy estava apavorada, afastou-se de costas de Peter e com as mãos sobre a boca. Um dos outros garotos disse:
– Peter, ela está fedendo a medo.
– Cabelo, ~o mestre do óbvio~. – debochou Peter. – Wendy, você precisa manter a calma. Sua ajuda é vital para o sucesso de nossa missão. E além do mais, você não pode se deixar levar pelas histórias que ouviu sobre a nossa raça.
Ela concordou apenas balançando a cabeça. Peter olhou para o afrodescendente e perguntou:
– Deleve, onde está a pedra?
– Na minha tenda, senhor!
– Traga-a para cá e vamos logo ao templo! – ordenou Peter.
O garoto foi e voltou rapidamente, trazendo consigo uma pedra lapidada, do tamanho de um pêssego e da cor do âmbar, e entregou ao seu líder, que guardou num bolso, segurou no braço de Wendy, e alçou voo, acompanhado dos Garotos Perdidos.
Voaram por dez minutos até avistarem uma construção alta no meio da selva, com pilares como as dos templos gregos, e plantas trepadeiras cobrindo parte da estrutura. Pousaram em frente à grande porta do prédio e entraram receosos. Peter levava Wendy e metade dos garotos iam na frente enquanto a outra cuidava da retaguarda.
– Eu não estou enxergando nada. – reclamou Wendy.
– Cabelo, uma tocha! – ordenou Peter, que foi prontamente obedecido.
O lugar se iluminou, revelando uma arquitetura bem elaborada, ainda que em ruínas, e à frente deles, um altar com uma estátua feminina e correntes. Nisso, Bicudo gira em 180° e rosna, e todos os outros vampiros se viram também. Um bando de homens barbudos, segurando armas e archotes, surgem na entrada, e o da frente deles, com um gancho no lugar da mão, diz:
– Pan, meu inocente Pan. Não achava mesmo que nós não tentaríamos impedir você de fazer essa loucura, não é?
– Capitão Gancho! – ele exclamou.
– Capitão Stewart, ele te chamou de “Gancho” de novo. – alertou um velho gorducho, ao lado do líder maneta.
– Eu ouvi, Smith! Eu não sou surdo. Essa foi a ofensa final, Pan! – e disparou sua pistola em direção a eles.
Peter moveu-se mais rápido que o olho humano e protegeu Wendy do projétil, sendo alvejado pelas costas. Wendy gritou com o susto e só viu de relance o sangue do jovem vampiro caindo em fartas gotas no chão.
– Peter, você está bem? – ela perguntou, sem obter resposta.
Os Garotos Perdidos voaram em direção aos homens do Capitão e houve vários disparos e gritos (dos humanos), e Peter, aparentando estar bem mesmo tendo sido alvejado, moveu-se em direção à parede esquerda e baixou uma alavanca, que acionou um dispositivo que fez com que o chão que estava entre o altar e a entrada do templo se abrisse, deslizando. Enquanto seus comparsas vampiros lutavam com os capangas de Stewart, ele encaixou a joia num buraco do tamanho da pedra feita no peito da estátua, fazendo com que parte do teto se abrisse. Wendy olhou maravilhada para o céu, mas foi pega de surpresa por Peter, que a colocou aos pés da estátua, acorrentando-a.
– Peter, o que significa isso?
– Desculpe, Wendy, mas eu menti pra você. O seu sangue será um sacrifício para despertar Nosferatu, o rei de nossa raça.
Wendy se sentiu profundamente traída e nada respondeu, de tão perplexa. Peter se agachou para pegar um punhal do cano de sua bota, e quando levantou-se viu que o Capitão Stewart estava de pé ao lado da garota, apontando sua pistola na cabeça dela.
– Como você chegou aqui? – olhando para a figura esfarrapada, mas ainda imponente de seu rival humano.
– Me entregue a joia ou eu estouro os miolos dela!
– Você sabe que eu posso arrancar sua cabeça antes de você puxar o gatilho! – retrucou Peter.
– Experimente. – desafiou Stewart.
Um disparo absurdamente alto rugiu pelo templo, e Peter caiu de joelhos no chão, com um rombo no tórax. Stewart riu freneticamente e disse:
– Excelente, Robert! – o Capitão parabenizou o autor do disparo, que estava de pé, na entrada do templo, com uma espingarda na mão. – Ainda bem que a garrucha especial feita para os chupadores de sangue deu certo!
Peter se refez e voou em direção a Stewart, arrancando sua cabeça, enquanto dois dos Garotos Perdidos estripavam Robert.
– Está para ser feita uma arma que possa acabar com Peter Pan! – vangloriou-se o líder dos vampiros, encurvado e com a mão no peito, que começava a se regenerar.
– Agora é a sua vez, mocinha! – disse à Wendy, cravando o punhal em seu peito e apagando a chama da vida da garota.
Houve um brilho intenso vindo do fundo do poço do chão aberto do templo, e o céu encobriu-se de nuvens púrpuras e trovejantes, e Peter Pan ria enquanto liberava na Terra um dos piores pesadelos de todos os tempos…